Endopsychic Structure Considered in Terms of Object-Relationships
Ronald Fairbairn, 1944

Neste seminal artigo, Fairbairn segue com o raciocínio de um texto anterior¹ em que postula que o objetivo principal da libido é a busca do objeto e não do prazer/descarga. Quando ele pensa no paciente psicanalítico ele pensa em um indivíduo com problemas em se relacionar com objetos do mundo exterior de forma satisfatória de modo a, então, permitir a descarga pulsional. Pensar ao contrário seria colocar o carro na frente dos bois.
Aqui ele irá resgatar os pensamentos sobre as fases do desenvolvimento libidinal de Freud e Abraham e reiterar a sua crítica, com o intuito de propor uma nova estrutura metapsicológico para a psique, em substituição à estrutura tripartite, ego, id e superego. Em seu pensamento, o princípio da realidade está considerado pela pulsão desde o início, já que procura o mundo externo, sendo o princípio do prazer um mecanismo secundário, que entra em ação quando a relação objetal não é boa: por exemplo, quando o bebê mama apenas para saciar a fome.
A repressão aqui muda de cara e reprime, primariamente, não pulsões do interno, mas objetos maus internalizados pelo bebê. Ao reprimir esses objetos (que estão no ego, lugar em que também está a repressão), partes do ego são cindidas e separadas de um ego central. Os objetos maus continuam como partes cindidas do ego, reprimidos ao inconsciente.
O autor vai defender então que as diversas patologias podem ser pensadas através desse conflito entre partes do ego e não mais entre id, ego e superego. Ele completa seu raciocínio através do longo relato e análise de um sonho de uma paciente, para remendar a teoria dos sonhos freudiana. Para Fairbairn o sonho não é a realização de um desejo, mas a dramatização, um curta-metragem das partes do ego e dos objetos internalizados.
Nosso autor propõe uma psique dividida em um ego central (identificado com o objeto ideal), e dois egos subsidiários: o ego libidinal (identificado com a parte excitante do objeto mau) e o sabotador interno (identificado com a parte rejeitaste do objeto mau). Essas duas últimas estruturas poderiam ser mal comparadas ao id e ao superego, respectivamente, mas Fairbairn desenvolve longamente suas interrelações.
O mais interessante é que o autor tem como objetivo pensar pacientes esquizoides, ou seja, pacientes com o ego cindido, em que o recalque não conseguiu estar presente com uma solução de conflitos, digamos, mais neurótica, através do sintoma. Esses pacientes tem uma cisão no ego em si, fazendo com que a interrelação entre suas partes aconteça no centro mesmo da personalidade. Dado que ele nomeia uma dessas partes (devotada à parte rejeitaste do objeto mau internalizado) como sabotador interno, faz-nos pensar num fenômeno muito comum da contemporaneidade: a síndrome de impostor de pacientes com relações difíceis no campo profissional. Fairbairn não pensaria aqui pelo recalque, ou seja, em conteúdos inconscientes ou num superego (moralidade, ética) muito rígido e cruel, mas sim numa parte constitutiva do próprio ego como responsável pela sabotagem interna, dada sua devoção à parte rejeitaste do objeto (que, lembremos, é internalizada exatamente por ser má e poder ficar submetida a um pretenso controle da internalidade).
Apesar de insatisfatório, o objeto mau tem duas facetas: uma sedutora e uma frustrante. Essas duas qualidades permanecem com a internalização do mesmo, dando origem ao ego libidinal (que investe a parte excitante do objeto) e o sabotador interno (que investe suas partes rejeitantes), formando dois polos que operam na personalidade e se interrelacionam, reencenando a ambivalência original do objeto primário.
Fairbairn reitera seu rompimento com a visão egípcia clássica de um texto anterior², através da consideração da importância da dependência infantil (antecipando Winnicott). O Édipo passa a ser, então, não mais um fenômeno causal, mas um produto final de uma espécie de relação. A situação edípica é construída ao redor de uma mãe interna excitante e de uma mãe interna rejeitante, não podendo ser considerada inata.
Nosso autor propõe, então, as que ele considera as duas funções mais importantes da terapia psicanalítica: "(a) reduzir a cisão do ego original, devolvendo a este o máximo possível de suas partes cedidas ao ego libidinal e ao sabotador interno e (b) levar os objetos excitantes e rejeitastes o máximo possível para longe de sua esfera de influência ao ego central."
NOTAS
¹ A Revised Psycopathology of the Psychoses and Psychoneuroses (1941)
² Ibid.
In FAIRBAIRN, W. R. D. "Psychoanalytic Studies of the Personality". Londres: Routhledge, 1952.
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