A difícil arte de estar junto (ou de se separar)
Uma leitura de "Alice Através do Espelho" e Michael Balint
Qualquer pastor de auto-ajuda não tem a menor dificuldade em falar sobre fins. Namoros, casamentos, empregos, ideias, relações eróticas (toda essa sorte de coisas com que o sujeito se relaciona e a que a psicanálise chama de objetos¹) tem fim. Somos finitos, sabemos todos disso racionalmente, pelo menos do imenso fim potencial de tudo, localizado em algum lugar no tempo. A própria vida é modelo de finitude.
Como pode então uma situação tão à mão de todos os mortais, um assunto tão discutido, do charlatanismo à filosofia, causar desastres quando faz a sua mais-do-que-insinuada chegada? Porque não conseguimos deixar os objetos partirem, transubstanciando anos, décadas de amor, apego e suporte em ódio, indiferença e vingança?
Este artigo é uma tentativa de pensar essa pergunta, de enriquecê-la – jamais respondê-la –, à luz do seminal Thrills and Regressions, de Michael Balint (1959), uma abordagem radicalmente original sobre as relações de objeto, pensando-as em duas posições básicas que começam no bebê e, cristalizadas, podem às vezes permanecer no adulto, gerando ansiedade, angústia e fazendo com que muitos de nós, lidos como pacientes, se transformem em escravos de uma relação objetal arcaica.
Objetos pontudos e cortantes
A pesquisa de Balint começa nas prosaicas funfairs, ou parques de diversões, segundo ele presentes no mundo todo. Brilhantemente nota que esses espaços “oferecem satisfação para instintos primitivos em um nível também francamente primitivo²”, em brincadeiras como testes de força ou bolas derrubando torres de latas, por exemplo (no Brasil é muito comum este último jogo com armas de ar comprimido, diga-se). Essa violência primitiva é ali permitida, e também recompensada pelos prêmios a serem ganhos.
Mas o que realmente nos interessa de sua análise das funfairs, são os brinquedos que causam thrills, arrepios (de medo), como os clássicos barcos viking e montanhas-russas. A atenção de Balint recai sobre dois fenômenos. O primeiro é o fato de o prazer de tais brinquedos virem de uma sequência bem definida: “(a) alguma quantidade de medo consciente, ou pelo menos conhecimento de um perigo externo real; (b) uma exposição voluntária e intencional de si mesmo a esse medo externo e ao perigo suscitado por ele; (c) ao mesmo tempo estando mais ou menos confiante de que esse medo pode ser tolerado e dominado, de que o perigo irá passar e será possível voltar são e salvo ao chão2” – (Balint, 1959:23). Há de se sublinhar aqui, como faz o autor, apesar de não ser foco deste artigo, a semelhança destes três passos com o sexo: um aumento de excitação e risco, a exposição consciente ao perigo e o retorno ao chão através do orgasmo – ou seja, um dos atos que, para Freud, contradizia o princípio do prazer, ou seja, o aumento de excitação e desconforto é sentido como prazeroso e provocado deliberadamente³.
Balint também dá atenção a uma questão notória: o fato de que para alguns esses brinquedos são fonte de intenso prazer, enquanto outros mal podem pensar em sentir tal arrepio e frio na barriga. Guardemos essas duas reações (aparentemente) antagônicas – elas são a base para o núcleo do pensamento de Balint neste trabalho.
A aposta de Balint, então, é que o mundo infantil possa ajudar a entender a existência dessas duas surpreendentes reações. Balint resgata significados arcaicos da palavra objeto para sublinhar a nuance que em português é muito bem representada pelo verbo objetar, ou seja, criar resistência, ir contra, desgostar. Lembra ainda um outro significado arcaico da palavra objeto, que completa esse primeiro: algo firme e resistente, pontudo e afiado. Tudo isso para pensarmos no bebê: quais seriam as reações dele, ao se deparar com os objetos impeditivos e pontudos (perigosos) que, num determinado momento, fazem sua aparição?
Numa clara discordância de Freud (e Melanie Klein), Balint não acredita na existência do narcisismo primário, ou seja, o investimento irrestrito do bebê em si mesmo nos primeiros meses de vida de modo que ele pense ser o único ser do mundo e o criador de todos os objetos. Para Balint, esse mundo inicial já é um mundo objetal, mas nele os objetos atendem às demandas do bebê de maneira irrestrita. Os objetos o seguram, o amamentam, o sustentam (no sentido físico), suportam sua existência em toda sua (do bebê) fragilidade.
Façamos agora a síntese dessas duas proposições: quais seriam as reações possíveis do bebê ao perceber que os objetos do mundo não servem para servi-lo? Que falham, tem vida e desejos próprios, ou pior, que são cortantes, pontudos e ameaçadores? Indo direto à resposta, são duas as reações, ambas alucinatórias, ilusórias: ou se dependuram no objeto para não deixá-lo escapar ou criam mecanismos para viver sem objeto algum.
As duas posições básicas
Balint dá tanta importância à sua descoberta que propõe duas palavras novas para descrever cada uma das respostas do bebê, às vezes também presentes nos nossos pacientes adultos; duas posições estas que são reação à descoberta dos objetos autônomos do mundo.
Para o primeiro caso, a palavra proposta é ocnofilia, que vem de um radical grego que significa pendurar-se, encolher-se, hesitar (implícito aqui de que isso aconteça por medo, vergonha ou pena em relação a um objeto – Balint: 1959,32). Esse é o bebê que não gosta de andar de montanha-russa (metaforicamente, por favor): ao descobrir que os objetos não o servirão de maneira irrestrita para o resto da vida ele alucina essa própria possibilidade, a de se pendurar neles, queiram eles ou não.
Aqui citamos Balint um tanto longamente:
“A verdadeira relação com os objetos é muito primitiva. Muitas vezes encontramos sinais de que a relação não vai além da parte em que ele se pendura, isto é, não necessariamente inclui o objeto por inteiro. ‘Um homem em vias de se afogar agarra, como último recurso, um canudo’, descreve admiravelmente essa atitude. (…) A reação de um homem ocnofílico em face do medo mostra talvez da maneira mais clara possível a persistência de um objeto parcial em um adulto.”
Ou seja, para o ocnofílico, o espaço entre os objetos é desesperador, ameaça de aniquilação e um vazio indizível. Apenas com os pés firmemente presos aos objetos, ele pode viver e amainar sua angústia.
A outra posição, advinda do mesmo problema (o encontro insuportável com os objetos cortantes, pontudos e independentes do mundo) é chamada de filobatismo. Balint faz um mergulho nos significados arcaicos do radical desta palavra, mas para o falante do idioma português o melhor é pensar no paralelo com a palavra acrobata. Este é o bebê que alucina não precisar dos objetos, que pode viver apesar deles; melhor dito, que vive melhor sem eles. Ele confia no ambiente e em si e sente que a ameaça vem dos objetos que se aproximam dele. É um mundo inteiro “estruturado por distância segura e visão/observação” (Balint: 1959,34).
O filobata é confiante no mundo, nos espaços entre os objetos; ameaçadores são estes, especialmente quando precisa negociar com um objeto que se impõe, que objeta. Entretanto ele não despreza o objeto: Balint lembra de duas palavras muito filobatas: consideração e tato. O filobata cuida de seus objetos. Na verdade ele os transforma para seu uso (e por isso cuida deles), vale dizer, transforma-os em equipamento (equipment e gear, no original), a única coisa de que ele precisa. O filobata não precisa de objetos, pelo menos de nenhum em particular (Balint: 1959,35).
Nomear essas duas novas posições como uma consequência de uma visão primordial do bebê e com isso questionar algo das teorias de Freud e Melanie Klein, não parece pouca coisa. E a energia para tamanha coragem parece vir da convicção de Balint de que pensar os sujeitos/pacientes a partir das posições ocnofílica e filobática é realmente algo muito potente.
Não parece difícil concordar com o autor: tudo que é pensado aqui remete a questões muito primárias, muito definidoras. O encontro traumático com o mundo externo independente e com a consequente pergunta “e agora, o que vou fazer se o mundo se recusa a atender, de maneira absoluta, a todos os meus desejos?”.
As duas saídas propostas são a ocnofílica e filobática, ambas insatisfatórias, com seus prós e contras, se é que podemos falar assim, e que se tornam claras a partir do pensamento dos skills, das habilidades que cada posição desenvolve.
O ocnofílico tem os objetos como objetivo (note-se o mesmo radical da palavra) e desenvolve então habilidades visando “um caminho eficiente de se pendurar e talvez (…) um método custoso para ser aceito pelo seu objeto como um tipo de parasita”. É uma técnica, se lembrarmos sua característica alucinatória, relativamente efetiva. Seu ponto fraco encontra-se no fato de que “seu verdadeiro desejo nunca pode ser alcançado pelo clinging. O verdadeiro desejo é o de ser seguro pelo objeto e não o de pendurar-se desesperadamente nele” (Balint: 1959,34).
Já para o filobata o mundo é bem diferente. Desde que a coisa não fique preta demais, ele, o acrobata, sente-se imensamente seguro voando pelos céus. Seu risco encontra-se nos objetos, que não podem satisfazê-lo e são, por isso, perigosos. Encontra segurança em relação aos objetos fazendo deles equipamentos que estão sempre dispostos a servi-lo em suas acrobacias e por isso são, pelo filobata, muito bem cuidados.
Agora, claro, dada a característica primitiva das duas posições é inevitável, para o autor e para nós, falar de dois sentimentos também primitivos, avassaladores e conectados como amor e ódio.
Amor e ódio
Balint faz questão, mais de uma vez, de reiterar que não enxerga as duas posições propostas como antagônicas (por isso não escolhe palavras opostas para denominá-las). Ambas são identificadas em pacientes graves (da área da falha básica, tema que será desenvolvido em seu livro seguinte e não é objeto deste artigo) e uma alta dose de qualquer uma dessas posições é mais ou menos patológica.
O importante aqui, lembrando das nossas perguntas iniciais, é pensar casos não-graves e como essas posições irrigam relações adultas nas separações dos objetos. Como o próprio autor dá a resposta, certeira e evasiva, para o que seria a situação saudável (“as duas posições são mais ou menos patológicas. O saudável obviamente não depende dos ingredientes, mas de uma combinação apropriada de proporções” – Balint: 1959,89), propomo-nos aqui a comentar de maneira mais livre as ideias de Balint sobre a ocnofilia e o filobatismo em relação ao amor e o ódio.
Pensamos que essa posições não são completamente fixas. E mais: podem ser potencializadas, convocadas pelas relações. Alguém muito filobata convoca a defesa ocnofílica no outro e vice-versa.
Ambos amam e odeiam, imensamente e ao mesmo tempo, seus objetos. O ocnofílico depende deles, ama-os incondicionalmente, até o momento em que eles causam o mínimo de frustração (frustração esta inevitável segundo o autor). Amor e ódio são voltados para uma característica parcial dos objetos (“eu a amo, mas algumas coisas me causam muito ódio”, como costumamos ouvir no consultório), tudo sempre muito intenso. “O objeto, apesar de ligado ao sujeito, tem, apesar de tudo, sua própria vida, e precisa em algum momento seguir seu próprio caminho.” O objeto parcial torna-se, então, sem saber, “completamente sem uso, completamente mau” (Balint: 1959,33, ambas).
O filobata odeia seus objetos de largada. Em sua ilusão eles são ameaçadores: tentam estabelecer relação sem a contrapartida da confiança. Os objetos perigosos e dependentes põem em cheque o seu mundo confiável, seu narcisismo. Então o filobata os objetifica (no sentido corriqueiro do termo mesmo) ao torna-los equipamentos para que ele explore o mundo (mundo de significados, por favor, não é preciso entrar num avião para isso). Indo embora o objeto pode deixa-lo como o mergulhador sem cilindro de oxigênio, o tão precioso e bem mantido cilindro de oxigênio. O ódio vem pela traição de seu cuidado e amor.
Quando um encontra o outro: “Alice Através do Espelho” (2016)
A essa altura conseguimos imaginar quão bombástico seria o encontro (em qualquer relação, não apenas amorosa) entre um ocnofílico e um filobata. Talvez, se fossem completamente opostos, tenderiam a não se encontrar, a estarem cegos um para a presença do outro. Fato é que nossas observações apontam para o contrário, para a atração “cega” entre ocnofílicos e filobatas (da mesma maneira como sádicos e masoquistas, que também não são opostos, tendem a se atrair).
Dessa atração inconsciente surge uma relação poderosíssima, sempre ambígua, em que os dois lados seduzem e dissimulam suas reais intenções, com diferenças intrínsecas.
Comecemos pelo trágico: a situação em que as duas defesas se casam e a relação “dura” .Teremos então um casal de uma vida psíquica e afetiva extremamente desértica: o filobata inquestionado e prisioneiro de seu próprio narcisismo, sem nenhuma relação verdadeira com um objeto total e o ocnofílico pendurado, sugando um ego e um narcisismo alheio, completamente submetido.
Essa relação lembra-nos a mitológica história de Eco e Narciso. A ocnofílica ninfa Eco, apaixonado pelo belo Narciso, mas sem poder falar nada que seja seu, apenas repetindo a fala de seu (suposto) amante. E o filobata Narciso admirado com a própria imagem, a própria capacidade de viver apenas consigo mesmo, sem nenhum objeto. Todos sabemos o seu destino.
Menos trágica nos parece ser a situação em que a relação “não dá certo”. Menos trágica pois aqui as defesas não são engessadas, os sujeitos não vivem apenas por elas. Há alguma chance de flexibilização, alguma chance de que outras instâncias do aparelho psíquico interfiram no casamento perverso das defesas de Eco e Narciso. Para passearmos um pouco sobre o que se daria dessa relação escolhemos analisar, à luz das ideias de Balint (e aqui também à luz da nossa experiência), o filme Alice Através do Espelho (2016), de James Bobin, cujos personagens são baseados na obra conhecida de Lewis Caroll.
Alice é a filobata; tanto no filme de Bobin quanto no anterior “Alice no País das Maravilhas” (2010) de Tim Burton, e também o é nos livros de Caroll, nos quais os filmes citados são baseados livremente.
No filme de 2016, Alice é a capitã de um navio (há algo mais filobata?); sente-se segura, feliz e plena no mar – e não em casa. Mais do que confiante em sua tripulação de homens, Alice está a salvo no mar. Ao voltar para casa, entretanto, retorna ao Underworld e encontra seus amigos: vê-se às voltas com o Chapeleiro Maluco, que está mais maluco do que nunca, alucinando que a família morta há muitos anos está viva.
Ora, e o que faz Alice? Decide encontrar o Tempo himself (interpretado por um surpreendente Sacha Baron Cohen, o Borat) para voltar ao passado, entender o que aconteceu com a família do seu amigo e então salvá-lo (os filobatas são um pouco, como diz o ditado, “para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei”). Seus amigos da Underland a avisam que é perigoso (mais: que é impossível!), mas eles haviam dado a ideia à pessoa certa, à amante de thrills, Alice.
A aventura vale pela beleza plástica das cenas e a mistura com a poesia de Caroll, mas já sabemos o seu final: Alice consegue o que quer, é claro (não sem antes quase causar um cataclisma no espaço-tempo desse mundo mágico). O importante é que ela não hesita, ela vai e sempre irá. A Underland é seu friendly expanses – os arredores seguros e aventureiros – como descreve Balint. Neles ela se sente segura, a ponto de esquecer o conflito que deixou no mundo aquém do espelho com um personagem francamente ocnofílico, seu ex-noivo.
Hamish Ascot, o ex-noivo que ela abandona no altar no filme de 2010 é, com certeza, um tipo ocnofílico. Desajeitado no filme (lembremo-nos, porém, que os ocnofílicos podem ser muito sedutores), Hamish tem no arranjado casamento com a bela Alice a esperança de encontrar seu lugar no mundo. Para tanto não se aflige de usar os bens e a reputação da família para encaminhar o casamento, afinal, como Balint nos ensinou, os ocnofílicos querem que tudo pareça um bom negócio.
No filme de 2016, Hamish, já casado com outra mulher, menos interessante que Alice, e claramente incomodado por ter sido largado no altar, teve os três anos em que ela passou velejando para preparar suas boas-vindas: ao retornar, Alice descobre que a casa de sua mãe está penhorada para a empresa de Hamish, mas ele aceita docilmente devolver a mesma em troca do barco de Alice que pertenceu a seu pai.
A reação surpresa e quase displicente de Alice (a penhora da casa e do barco são das primeiras coisas que ela descobre no filme e não se preocupa em resolvê-las até quase o final) nos dá importantes chaves para entender as reações típicas desse confronto entre ocnofílicos e filobatas.
Indo direto ao ponto: o filobata ao se dar conta da perda do objeto se sente ingênuo, absorto, quase infantil; o ocnofílico, por sua vez, se sente traído, cheio de ódio e sedento de vingança. Sente o abandono e a aniquilação tocarem a porta. O filobata sente-se como se uma geada, na madrugada, tivesse destruído a plantação cuidada com tanto carinho. Citemos Balint: “todas as habilidades do filobata para sua conquista dos objetos e do mundo são baseadas em funções de um ego integrado” (Balint:1959,86). Ou seja, o filobata não teme a perda e a partida dos objetos, é razoavelmente inteiro e sabe que, assim, permanecerá, tem skills para se recuperar. O ocnofílico sente sua própria existência ameaçada pelo objeto que parte e por isso se ressente. E se vinga.
Vinga-se, no lugar certo, do filobata que o abandonou: na sua base narcísica. É como se inconscientemente soubesse onde dói: Hamish se vinga de Alice apropriando-se da casa da sua mãe e também do seu navio, talvez o equipamento mais importante de Alice, símbolo de sua capacidade de viajar pelo mundo, de sentir-se segura e viva em águas turbulentas.
Saindo um pouco do filme, reiteramos que todos sofrem nesse (des)encontro se não souberam flexibilizar suas defesas filobática e ocnofílica. A diferença é, de novo, que o filobata se sente surpreendido, enquanto o ocnofílico se sente traído e com sanhas vingativas. “Ligado” aos movimentos da relação, o ocnofílico ataca o lugar certo: o núcleo narcísico do oponente filobata, a sua crença auto-investida e ingênua de que tudo ficaria bem ao final e apesar de tudo. O filobata fica assim confuso e surpreso, sente como se lhe tivessem dado um golpe baixo e, com sua auto-estima bem rebaixada, compreende que vivera ingenuamente, uma história que estava a lhe escapar há tempos.
Mais uma contribuição nossa: por ser o observador mais frio da relação, a vingança do ocnofílico, além de precisa no centro narcísico tem mais uma característica.  Ela se dá pela superação do filobata no campo mesmo em que este se acha mais habilidoso, como se invertendo uma relação mestre-discípulo. Estudado dos movimentos mais caros ao filobata (que, ingenuamente não percebe), o ocnofílico treina secretamente suas habilidades nesse campo até se sentir preparado ao bote final. Dar esse up no filobata, um up no campo máximo de “expertise” deste é a carta de alforria para uma pretensa liberdade (pretensa pois sempre em oposição/relação ao filobata). É como se Hamish se empenhasse em ser o humano mais querido da Underland, ou então o melhor capitão de navio (algo que ele persegue, de alguma maneira, ao declarar o fim das viagens de Alice – ele “sabe” melhor do que ela onde investir o dinheiro das navegações).
De novo, os dois sofrem, mas sobrevivem. Fato é que Hamish não teve o barco de Alice (e se tivesse, nenhuma diferença isso faria, pois ela daria um jeito de arrumar outro). Ficou com sua esposa prêmio-de-consolação e com suas posses, enquanto Alice partiu, sem amarras, para uma nova viagem marítima.
NOTAS
¹ Cf. FREUD, 1905
² Balint, 1959:20 – todas as traduções desse trabalho aqui citadas são nossas
³ Freud desenvolve esse pensamento, inicialmente, no capítulo dedicado às “preliminares”, Os Mecanismos do Pré-Prazer, capítulo 3, de Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade (1905) e mais tarde em Além do Princípio do Prazer (1920) e O Problema Econônico do Masoquismo (1924).
Michael Balint desenvolve a ideia de amor primário em oposição a narcisismo primário na Parte II de “A Falha Básica”
REFERÊNCIAS
BALINT, M. (2014) A falha básica: Aspectos terapêuticos da regressão. Trad. Francisco Franke Settineri. 2. ed. São Paulo: Zagodoni.
________ (1959/1987) Thrills and Regressions. Londres: Maresfield Library
FREUD, S (1905/1996). “Três Ensaios Sobre a Teoria da Sexualidade”. In: Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud: edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago
ALICE no País das Maravilhas. Direção: Tim Burton. Estados Unidos/Reino Unido (2010). 108 min. Walt Disney Pictures
ALICE Através do Espelho. Direção: James Bobin. Estados Unidos (2016). 113 min. Walt Disney Studios
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